Planeamento Linguístico

(Excerto (corrigido) de Salomão, Ricardo. “Comunicação Intercultural De Negócios: Lusofonia, Oportunidades E Desafios.” In,  UBILETRAS (2011). http://ubiletras.ubi.pt/.)

1. O domínio científico do Planeamento Linguístico.

Considerando o Planeamento Linguístico e a Política de Língua no escopo alargado das actividades humanas, podemos identificar claramente a sua ocorrência ao longo da História como resposta às mais diversas situações políticas, sociais ou naturais, especialmente quando comunidades com línguas e culturas diversas se defrontaram com a realidade de contactos frequentes e intensos ou mesmo a partilha de territórios.

As opções das coroas portuguesa e castelhana pela promoção das suas línguas nacionais como “companheiras do império”, línguas oficiais, em detrimento do Latim, até então usado na documentação oficial, podem constituir exemplos claros de planeamento e de política de língua.

Igualmente, a estratégia de Richelieu na implantação do Francês como língua verdadeiramente nacional, constitui outro exemplo. O estatuto do Latim, definido pela Igreja Católica como língua veicular do culto e de celebração praticamente desde a sua fundação, foi discutido durante séculos, motivo de intensa polémica quanto ao seu uso na evangelização em África e nas Américas em oposição às diversas línguas maternas locais, tendo vindo finalmente a ser de todo abandonado apenas na segunda metade do século XX.

Apesar de ser uma atividade humana facilmente detetada desde os primórdios das civilizações, como domínio científico, a afirmação da Política de Língua e Planeamento Linguístico (PLPL) é muito mais recente, sendo unanimemente aceite pelos autores mais proeminentes [veja-se (Ricento, 2000), (Wright, 2004) ou (Kaplan & Baldauf Jr., 1997) por exemplo] a década de 1950 como a de afirmação da sua origem, motivada pela dinâmica do pós-guerra e da sua influência no surgimento de novas nações, no que frequentemente é referido como uma necessidade de “construção de nações”.

Continuando no domínio da unanimidade dos autores, são identificados três períodos distintos na evolução do domínio científico do PLPL: o primeiro, de génese, no âmbito da “construção de nações” e que já identificámos, seguida por um segundo, crítico, que contesta a orientação e a prática dominante na investigação até aí desenvolvida.

Neste segundo período surgiram críticas de natureza principal, mas não exclusivamente política, acusando a orientação anterior de neocolonialismo, por aplicar concepções políticas próprias do “ocidente”, onde, por exemplo, não era frequente o domínio de 4 ou 5 línguas diferentes, prevalecendo o conceito eurocêntrico de “uma nação, um estado, uma língua”.

No entanto, foram igualmente apresentados argumentos substantivos, quer no âmbito de questões de estatuto, especialmente nas questões das línguas comunitárias e correspondentes opções de línguas nacionais, quer no âmbito do corpus, nas questões mais variadas, como a dicionarização, romanização, etc. e ainda no âmbito da aquisição, pelas implicações no sistema educativo diretamente ligadas às definições da Política de Língua Nacional.

A contestação aos métodos e mesmo as dúvidas levantadas quanto à própria essência dos propósitos do PLPL vieram a ser ultrapassados pela própria realidade, que através da sua evolução, tratou de colocar um novo desafio aos investigadores. Este processo de profunda transformação das sociedades que temos assistido nas últimas duas décadas[i] e que tem sido identificado genericamente como Globalização, no domínio científico do PLPL determinou um novo período de investigação dominado por temáticas muito diferentes das anteriores.

As questões colocadas pela globalização vieram a determinar este terceiro, e atual, período da investigação no domínio científico da PLPL. Esta nova realidade em que as línguas desempenham um papel essencial é dominada pela implantação, crescimento e fortalecimento de instituições transnacionais, a intensificação dos contactos diplomáticos, políticos, económicos e sociais entre estados e, especialmente, entre comunidades, empresas e mesmo indivíduos, particularmente capacitados pelas tecnologias de informação e comunicação, em números massivos, vindo, assim, alterar profundamente as premissas de reflexão no domínio do PLPL e mesmo os seus objetos de estudo.

2. Política de Línguas Estrangeiras.

À medida que a globalização se acentuava, deixou de ser suficiente que os estados planifiquem a defesa e difusão da(s) sua(s) língua(s) e cultura(s) nacional(/ais), dentro e fora dos seus espaços territoriais. Na verdade, uma vez que as interacções se intensificam, torna-se igualmente necessário que o estado acautele, dentro das suas fronteiras, a existência de competências e capacidades linguísticas e culturais estrangeiras que lhe são necessárias para desenvolver os seus contactos transnacionais. Em certos casos, a existência desses recursos são fundamentais. Um destes casos cruciais é constituído pelas relações económicas.

A Política de Línguas Estrangeiras, aparentemente, é referida primeiro por Theo Van Els, na conferência “Borders Open! Mouths Shut?” (Tuin & Westhoff, 1997), na circunstância da entrada da Holanda na então CEE, chamando a atenção para a necessidade de equilibrar as competências linguísticas com as novas necessidades resultantes das alterações políticas e económicas.

Para a maioria dos estados economicamente abertos, como por exemplo Portugal, o volume das suas exportações é um factor crítico para o seu desenvolvimento e para o bem-estar dos seus cidadãos. As comunicações de exportação constituem-se assim como um campo de investigação e ação cujo valor e benefício parece ser inquestionável.

Assim, na definição de uma Política de Línguas Estrangeiras, o plano panorâmico da Comunicação Internacional de Negócios, das Comunicações de Exportação e correspondente definição de estratégias, desde o nível individualizado da empresa, passando por níveis associativos, de região ou setor de atividade, e até ao plano nacional, afiguram-se, pelo que foi atrás exposto, como campos de investigação e de ação do Planeamento Linguístico impostos pelos desafios que a realidade actual coloca, solicitando propostas de soluções reais, beneficiando da herança teórica e metodológica própria deste domínio científico.



[i] Decerto com origens bem anteriores, mas inquestionavelmente nas agendas internacionais a partir da década de 90 do século passado.