O Meia Lua da Costa e o Barco de Ur
Tenho ouvido algumas vezes a referência ao famoso Barco de Ur e a sua possível relação com o Barco de Mar, ou Meia Lua, aqui na Costa da Caparica.
Uma dessas referências encontrei-a na Revista da Armada, da autoria do Dr. Manuel Leitão (Leitão, 2002), que identifica a origem desta relação com a Suméria devido à similitude entre o Meia Lua e a miniatura que se mostra na imagem.
Esta miniatura em prata, constitui um dos dois barcos da parcela PG 789, recolhida no Túmulo Real de Ur, da coleção de objetos sumérios recuperados pelas escavações arqueológicas de Sir Leonard Woolley, nas décadas de 20 e 30 do século XX, no sul do atual Iraque.
Essas escavações arqueológicas foram financiadas pelo British Museum e pelo University of Pennsylvania Museum, razão pela qual os objetos estão ainda hoje divididos pelas duas instituições.
A miniatura a que nos temos referido está no University of Pennsylvania Museum, inserido desde Outubro de 2000 na sua exposição “Treasures From The Royal Tombs Of Ur” (Wilson, 2000).
Estes artefactos estão datados de cerca de 2600 anos Antes de Cristo: 4600 anos de idade.
A cidade de Ur era, nessa altura, um importante e abastado porto do Golfo Pérsico – hoje está longe da costa – com grande dinâmica comercial e no qual, como os artefactos encontrados comprovam, circulavam grande número de mercadorias provenientes de grandes distâncias, nomeadamente o Afeganistão e a India.
A Bíblia refere a cidade de Ur como o local de nascimento de Abraão. É em Ur que foi encontrado um dos mais antigos fragmentos literários, o Poema Épico de Gilgamesh, pelo que, escusado será dizer, é nesta região e nestes tempos que surge a grande fronteira entre a História e a Pré-História: A escrita.
Considera-se que os Sumérios desapareceram cerca de 1800 A.C. absorvidos pelo povo de Akkad, um povo de origem afro-asiática. Esta absorção, curiosamente, pode ser observada pela progressiva interpenetração das duas línguas, com importações cada vez mais constantes da língua de Akkad na Suméria.
Curiosamente, muitos séculos depois, a mesma região é povoada – até hoje – pelo povo Maʻdān – Al Madan? – nome que significa “povo das bacias fluviais, dos pântanos”.
Para adensar o mistério e incentivar as conjeturas e a especulação – consciente que apenas disso se trata – este povo tem alegadamente sido vítima histórica de discriminação por parte dos seus vizinhos, igualmente árabes, que os acusam de terem ascendência persa, uma vez que evidenciam costumes diferentes dos outros povos da região.
Há historiadores que arriscam a ligação (necessariamente longínqua, mais de 2 mil anos) com os sumérios.
Seja como for, o mesmo autor, relaciona também os Meia Lua com as embarcações do povo Maʻdān.
Realmente, num interessante artigo da revista Explorer, University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology (Ochsenschlager, 1998), podemos ver uma outra miniatura dos barcos, inteiramente cobertos de betume deste povo, realmente semelhante, na forma, com os nossos Meia Lua.
As imagens sustentam a formulação da hipótese, mas apenas isso. Para podermos afirmar uma relação, muitos outros dados teriam de se juntar a estes.
A Arte-Xávega seguramente constituiu uma prática mediterrânica que estava implantada na Península Ibérica na Idade Média e que subsistiu até aos dias de hoje.
Será possível reconstruir uma evolução com mais de 4600 anos que reproduza o modelo de povoamento a que assistimos no nosso litoral, com a lenta expansão e reprodução das companhas pelos areais, mas numa escala muito maior, mediterrânica, com origem no Golfo Pérsico?
Ligações:
Referência portuguesa na Revista da Armada (Leitão, 2002):
http://www.ct1fog.nra.pt/html/meiaLua.htm.
Artigo na revista The Oriental Institute News and Notes (Wilson, 2000):
http://oi.uchicago.edu/museum/special/ur/curator_notes.html
Artigo na revista Explorer, do University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology (Ochsenschlager, 1998):
http://www.penn.museum/documents/publications/expedition/PDFs/40-2/Life.pdf
Uma fonte bastante compreensiva sobre a Suméria e com muita riqueza de imagens:
http://sumerianshakespeare.com/
Referências Bibliográficas
Leitão, M. (2002). Património Cultural da Marinha – Peças para Recordar – 44. O Saveiro “Meia-Lua” da Caparica. Revista da Armada, (359). Acedido em http://www.ct1fog.nra.pt/html/meiaLua.htm
Ochsenschlager, E. (1998). Life on The Edge of the Marshes. Expedition, 40(2), 29-39. Acedido em http://www.penn.museum/documents/publications/expedition/PDFs/40-2/Life.pdf
Wilson, K. L. (2000). Treasures From The Royal Tombs Of Ur. The Oriental Institute News and Notes, Fall(167). Acedido em http://oi.uchicago.edu/pdf/nn167.pdf