O Lago das Estrelas
O lago Titicaca é famoso em todo o mundo e, várias pessoas defendem que será igualmente famoso fora deste mundo. São inúmeros os avistamentos de ovnis, sobrevoando ou mergulhando nas suas águas.
É considerado o maior lago navegável da América Latina, apesar deste palmarés ser conseguido graças a subtis compartimentações. Por exemplo o Lago de Maracaibo, na Venezuela é maior mas, como tem ligação direta ao mar cai noutra categoria.
Enfim, é uma enorme massa de água, com cerca de 8300 Km2, situando-se a uns vertiginosos 3800 metros de altitude. Vertiginosos porque a altitude causa mesmo vertigens, entre outras coisas.
Esta é a razão para haver coca por todo o lado. Qualquer hotel, pensão ou quarto para alugar oferece chá de coca ou folhas de coca para ir mastigando. Sem exceção, seja com quantas estrelas estiver classificado. E não é só no lago ou em Puno, a cidade peruana nas suas margens.
Não confundir coca com cocaína. Nada a ver.
Pessoalmente, depois de muito chá e muita mascadela, tive mesmo de ir à farmácia e comprar uns comprimidos para atenuar os efeitos de estar tão perto do céu. Porém, por mais que perscrutasse os horizontes celestiais nunca lobriguei nem o São Pedro, nem qualquer outra entidade com esse domicílio estelar ou paradisíaco.
O Lago Titicaca é fronteira entre o Perú e a Bolívia, pertencendo uma parte a cada um desses países. Dizia o guia do barco onde fizemos um cruzeiro que “o Perú tem a melhor parte”, para depois acrescentar que naquela altura estaria um seu colega boliviano a dizer a mesma coisa da parte deles.
Os cruzeiros peruanos têm como objetivo principal as ilhas. As dos Uros, e a dos Taquiles, nas ilhas do mesmo nome.
As ilhas dos Uros são artificiais, construídas por eles próprios, em junco, que vão desbastando conforme apodrecem ou aumentando conforme a sua necessidade. Vivem do turismo e têm ilhas para escola e para todos os outros fins. Incluindo Luas de Mel.
Para ganhar a vidinha – as visitas não são pagas – os Uros produzem uma miríade de lembranças. Há quem diga que uma boa parte destes porta-chaves, estatuetas, etc. são feitas na China, mas, para mim, têm em pleno o benefício da dúvida. Constroem também uns barcos peculiares com os quais dão pequenas voltas nas imediações da sua ilha.
Têm a conversa turística completamente consolidada e cristalizada. É possível ouvir a família Uro da ilha mais próxima a dizer precisamente as mesmas frases e com a mesma entoação.
A visita a estas ilhas anda à volta da demonstração da sua vida naquelas ilhas fabricadas, nomeadamente, por exemplo, como se faz uma fogueira para cozinhar sem incendiar toda a ilha. Mas os acidentes, por vezes acontecem.
As famílias Uro recebem os turistas devidamente paramentadas e é com destreza que depois passeiam os turistas nos seus estranhos barcos, assim tipo catamarans de papiro, com cabeças que por vezes lembram dragões.
Têm todas uma dança “tradicional” de despedida que podemos ver na ilha onde estamos, ao mesmo tempo que vemos nas outras ilhas mais próximas. Sem surpresa.
Depois da despedida, igual frase a frase em todas as ilhas, passando pelo “I’ll be back” de Schwarzenegger” ao “see you later aligator”.
Voltamos então ao barco que nos trouxe e rumamos à ilha Taquiles, onde vivem os nativos com o mesmo nome.
Esta ilha é completamente natural e tem um pico mais ou menos rochoso com cerca de 200 metros de altura. Contudo, apesar de parecer pouca coisa, somados aos 3800 do lago, foram os 200 metros mais difícil de subir, mesmo com o carreiro bem definido e escadas para ajudar em alguns troços.
Uma das coisas que identificam os nativos Taquiles é o seu tricot. Está tudo a fazer malha, não faltando, nos recantos sombreados do caminho, velhotes demonstrando a sua perícia. A troco de alguns sol, claro.
Aqui é importante realçar o que alguns sol (a moeda local) valem para nós e o que representam na vida deste povo. Hoje, um euro equivale a mais de 4 sol.
Adiante.
Naturalmente, todos e mesmo tudo, está tricotado em Taquiles. As pessoas vestem dos pés à cabeça a malha tricotada com cores garridas. As próprias árvores estão “agasalhadas” nas suas “camisolas” convenientemente tricotadas, assim como corrimãos, vedações, postes e tudo o mais. Não, não é exagero. A economia local depende disso.
Durante a subida tive de parar alguns milhões de vezes para recuperar o fôlego. Acreditem, o raio da altitude é extremamente impactante.
No entanto, pelas íngremes escadarias ou carreiros, encontrei diversos participantes na excursão que, tal como eu, estavam com os bofes de fora. Não ajudou em nada o meu padecimento, mas beneficiou imenso o meu ego.
O almoço, incluído na viagem, decorreu num magnífico terraço de um restaurante que se dedicava a este tipo de refeições. A vista não podia ser mais fantástica, com o Titicaca a nossos pés e lobrigando-se as margens lá longe. O raio do lago é mesmo enorme.
Perguntei ao empregado que trazia e levava e trazia os pratos, talheres e copos, se já tinha visto algum disco voador. “Claro”, respondeu ele, “quase todos os dias”. É a resposta natural de quem vive dessa curiosidade…
Tivemos como convivas uma família colombiana que ao saber que éramos portugueses nos revelou que tinham visitado Lisboa no ano anterior. A Colômbia, disseram-nos eles, seria também um belo país para visitar, e respondendo às nossas questões, já não era tão perigosa.
Regressámos a Puno, a cidade peruana que tem um porto significativo a servir o grande lago.
Não é uma cidade grande, nem majestosa, apesar de ter uma catedral de relevo significativo, comandando um largo ajardinado e ponto de início da rua mais turística da cidade.
Naturalmente, uma das tarefas de todas as viagens, importante e incontornável, é a escolha de restaurantes. Em vários, senão todos, havia a oferta de cui assado no forno. Acontece que cui é peruano para o que nós chamamos porquinho da Índia.
Impossível!
Para se poder observar as incongruências destas coisas, um dos pratos que mais apreciámos foi a carne de alpaca. Estes simpáticos camelídeos, que nós afagávamos de passagem quando nos cruzávamos nas nossas deambulações turísticas, em chegando à mesa… nhac, nhac sem remorsos. É a vida, pensava eu entre garfadas.
O beco onde se localizava o alojamento onde ficámos desembocava numa avenida que à noite se transformava num mercado onde não faltava tendas com comida e outras que vendiam de tudo.
Transformava-se também, num ápice, em caminho de ferro por onde passava o comboio, obrigando os comerciantes a levantarem as suas bancas dando caminho ao cavalo de ferro.
Ao terminar a estadia em Puno, o plano original era apanhar o autocarro para La Paz, capital da Bolívia, mas sair perto de Deasaguadero, a cidade boliviana na margem do Titicaca e chegar – sabe-se lá como – a Tiwanaku, a cidade impossível, construída sabe-se lá por quem e que é recorrentemente referida pelo Sr. Tsoukalos, dos extraterrestres ancestrais. O tal do cabelo em pé, vocês sabem.
Mas os planos são os planos e a realidade acaba por impor uma coisa diferente, regida pelo lado prático das coisas, e não pelos desejos e aspirações que presidem quando estamos calmamente à secretária a planear.
E foi assim que abalámos direitinho a La Paz, a cidade tão íngreme que os autocarros tiveram de ser substituídos pelos teleféricos.
Mas isso fica para outra história.
Direitinhos é maneira de dizer. O enorme posto fronteiriço entre a Bolívia e o Perú, em Desaguadero, constituiu uma passagem extremamente rigorosa.
Tivemos de sair do autocarro e levar a pé a nossa bagagem para vistoria detalhada nos balcões corridos da alfandega e depois voltar a arrumar tudo no mesmíssimo autocarro que, como pude observar, também não escapava à vistoria, com raios X e tudo o mais.
E depois sim, direitinhos a La Paz – a tal que fica para outra história – e que não era bem La Paz, mas sim uma outra cidade que fica lá no alto, a espreitar a capital e que se chama… Alto.
Para quê gastar dinheiro em agências turísticas se, por aqui, conheço o lago Titicaca, e não só, com as suas particularidades e sem perder o fôlego em íngremes subidas?