CrónicasJORNALISMO

E Mais Um Mojito…

Viñales é uma pequeníssima povoação no Oeste de Cuba. Pertence à província de Pinar del Rio, a mais ocidental da ilha.

Há muitas razões para visitar Viñales, desde logo a sua pequenez e ruralidade, se excetuarmos a presença de numerosos visitantes que até justificam um autocarro “hop on hop off” que passa por todos os pontos mais turísticos.

Há duas atrações que sobrelevam as outras: o tabaco, que neste vale brota em qualidade e quantidade assinaláveis, e os “mogotes”, formações calcárias muitas vezes quase cónicas, cobertas de vegetação.

Estes “mogotes” surgem um pouco por todo o mundo, mas com especial incidência no sudoeste asiático, na baía de Ha Long, perto de Hanói, Vietname, na Tailândia perto de Koh Samui, ou no rio Li, perto de Gueilin, na China.

Plantações de tabaco que se podem visitar…

As inúmeras plantações de tabaco são facilmente detetáveis pelos seus armazéns de secagem, muito abertos de forma a permitir a passagem do ar, e que também permitem aos mirones ver as grandes folhas atadas aos molhos e penduradas a secar à passagem do ar.

Além desta visão fácil das secagens de tabaco, as próprias quintas e plantações podem ser visitadas, quer com guias, quer por iniciativa própria, deambulando pelas imediações da povoação.

Mas há mais razões para visitar Viñales além da sua evidente ruralidade, mesmo descontando a forte incidência turística.

Uma é o complexo turístico encabeçado pela Gruta do Índio, ou Cueva del Indio, na língua local.

Não me atrevo a dizer que é fabricação histórica. Há uma fixação dos cubanos na sua etnia primordial, digamos assim com simpatia. Quando Colombo aportou pela primeira vez na outra ponta de Cuba, testemunhando a beleza da ilha e a simpatia e afabilidade do povo Taino, estava longe de imaginar que a sua presença iria determinar a sua extinção total. Total, como em não ficou um único.

A varíola e até a simples gripe dizimaram, não só os Taino, como cerca de 90% da população ameríndia. Seria comparável a Portugal ficar só com a população de Lisboa…

Mas de regresso à Gruta do Índio, na verdade são duas grutas próximas. Numa localiza-se um restaurante. E pronto. Na

A Gruta do Índio

outra, a verdadeira Gruta do Índio, há muito mais para ver, incluindo um pequeno percurso de barco, conduzido com maestria e proporcionando ao guia elaborar comparações com o formato das estalactites.

“Olhem ali uma coruja, e acolá um peixe”…

Depois, claro, as lojas e cafés que vendem tudo e o seu contrário “a precios muy estudiados”.

Apesar do embargo, há algumas coca colas originais, refrigerantes semelhantes e até rum. Além de café expresso. Não há falta deles por toda a ilha.

No caminho de regresso a Viñales, nova paragem turística. Desta vez o chamado “Mural da Pré-História”, um grande mural pintado diretamente na parede rochosa e que ilustra os animais que os artistas representaram como tendo habitado o local nessas eras longínquas.

Tudo estava bem até à primeira visita de Fidel Castro. Quando Fidel viu o Mural discordou. Segundo reza a lenda, terá afirmado que se não estivessem lá dinossauros ninguém acreditaria que era verdadeiramente pré-histórico.

Bem que os especialistas lhe explicaram que nunca houve dinossauros na ilha, mas Fidel era inamovível e… acrescentaram os dinossauros.

Evidentemente, este episódio levanta questões muito pertinentes sobre a verdade objetiva e aquilo que é percecionado como verdadeiro. Pertinente e atual.

O Mural situa-se a apenas 4 km de Viñales e pode ser alcançado no autocarro turístico, de táxi ou de bicicleta, não havendo falta de sítios para as alugar.

Em Cuba os transportes são ainda mais variados. Além dos mencionados, inclui ainda o camião e o camião transformado em autocarro. Também o táxi é muito variado, há táxis que são automóveis de aluguer, normalmente carros americanos dos anos 40-50 do século passado e que constituem um emaranhado de peças provenientes de outras viaturas muito mais modernas, desde os Lada aos japoneses e coreanos.

Em Viñales, estando na avenida principal, o panorama é calmo, mesmo com turistas, não faltando este ou aquele cavaleiro, de enorme sombrero, tão grande que lhe protege até os ombros, moda de guajiro.

Lembram-se de Guantanamera, a canção que correu, e ainda corre, mundo?

Guantanamera
Guajira Guantanamera…

Ora este poema de José Marti, o pai da nação, segundo os cubanos, tornado símbolo revolucionário, elogia a camponesa de Guantánamo, a região onde se situa a base americana. Curioso anacronismo, mas enfim, a vida está cheia destas coisas.

A praça central de Viñales chama-se Parque José Martí, com a igreja de um lado e o Hotel Central de outro. Em frente, ainda na Avenida Salvador Cisneros está a paragem de autocarros que nos leva a Pinar del Rio, Havana, etc. e logo atrás o telepunto, onde pode carregar a Internet do telemóvel entre outras coisas.

A Igreja no Parque José Martí

Essa é a primeira dica para viajantes: logo à chegada, no aeroporto, é fácil (e barato) comprar um SIM turístico e, a partir daí, tem Internet em toda a parte na ilha. Acabam-se os dramas de procurar pontos de wifi abertos.

A segunda é sobre câmbios. Todos os donos de casas que alugam quartos a estrangeiros (precisam de autorização especial para receber em euros) estão prontos a fazer câmbio muito mais simpático do que os bancos. Nós conseguimos uma média de 70 a 80 pesos por euro no ano passado (2023).

A terceira dica é sobre a instituição cubana mais pervasiva: o mojito. Basta cortar num cruzamento, sair da avenida principal apenas umas dezenas de metros e prestar atenção aos cartazes dos bares, cafés ou restaurantes que anunciam o preço dos seus mojitos, alguns a metade do preço. É assim tipo milagre.

Não há como explicar o puro prazer de, precisamente, ficar numa esplanada, bebericando mojitos, e ficar a ver o que passa. E passa muito. Curiosamente, o prazer aumenta em proporção direta da quantidade de mojitos ingeridos. É outro milagre.

Os cubanos são de extrema simpatia, curiosidade e educação. Normalmente, a maioria é licenciada em qualquer coisa. Independentemente da profissão que praticam. A sua curiosidade leva-os a interagir com os visitantes e saber dos seus mundos. Especialmente as crianças, brincam imenso com os turistas que passam.

Farol, ainda construído pelos EUA em Cayo Jutías

Devido ao embargo que os Estados Unidos impõem e que na minha opinião é injustificável, os cubanos deram largas à imaginação e improvisam soluções. Um dos exemplos, quando a minha Isabel partiu os aros dos óculos, depois de várias tentativas de colagem, procurei um oculista e encontrei o único da terra. Era uma loja com uma montra onde apanhavam pó duas armações diferentes mas muito parecidas com as da minha avó. O oculista, jovem, imediatamente adotou o meu desafio. Com uma camiseta do Barcelona, foi para a oficina, endireitou um agrafo, aqueceu-o ao rubro, enterrou-o no aro onde quebrara e fortaleceu as cangalhas. Estava feito!

Como já se percebeu, a ruralidade de Viñales não inclui praia, mas ela não está longe. Porém, demora algum tempo para lá chegar. As condições das estradas não permitem velocidades e as dos automóveis também não. Demorámos cerca de duas horas para um dia de praia em Cayo Jutias, a mais acessível, a 55 Km. Cayo significa ilha, mas neste caso está ligada por uma estrada num istmo.

Jutías, com um farol estado-unidense anterior à revolução a dar-nos as boas vindas, tem tudo o que se pode esperar de melhor numa praia do Caribe: água azulíssima de um turquesa que atinge os olhos, navios de cruzeiro no longínquo horizonte e, à falta de restaurantes, alguns empreendedores locais vendem cervejas ou refrigerantes frescos e assam lagostas logo ali na praia. O que se pode pedir mais?

Existe ainda Cayo Levisa, com um hotel para turistas, mas que estava fechado e não havia sequer barcos para lá chegar. O combustível, nessa altura, estava super racionado. Nem sequer havia voos internos, quanto mais barcos para Levisa.

Outra possibilidade seria Maria la Gorda, mesmo na ponta oeste da ilha, que, segundo informam, proporciona excelentes condições para mergulho. Fica a cerca de 160 Km mas a mais de quatro horas de viagem.

Pensando bem, mais vale outro mojito

One thought on “E Mais Um Mojito…

  • Reinaldo Ribeiro

    Aqui está uma crónica, bem escrita e cativante, que me agradou muito.

    Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *